A autora Norte-americana que escreveu Papai Pernilongo ou Sempre sua, Judy
Sempre sua, Judy e Papai Pernilongo é a mesma obra-prima, mas a Pedrazul Editora lançou com o título de SEMPRE SUA, JUDY, a forma como Jerusha Abbott, a Judy, assinava suas cartas para o seu misterioso benfeitor.
Jerusha Abbott, a Judy vivia num orfanato desde recém-nascida e nunca soube nada de sua família de origem. Até que, aos 18 anos – ainda morando e trabalhando no orfanato –, um milionário misterioso aparece propondo pagar por sua educação. Pela primeira vez na vida ela teria alguém para fingir ser sua “família”. Mas o benfeitor exige permanecer anônimo e que ela apenas lhe escreva sobre seu progresso na faculdade. Quem seria esse cavalheiro misterioso?
Sempre sua, Judy, que se tornou best-seller, e um dos livros mais amados de todos os tempos e faz de Judy uma personagem tão inesquecível quanto Anne de Green Gables, Pollyanna ou mesmo Jo de Mulherzinhas.
Sempre sua, Judy, publicado em 1912, traz a história de Judy e de um benfeitor anônimo do orfanato onde ela foi criada. Após ler as histórias bem-humoradas de Judy, ele se oferece para enviá-la para a faculdade com a intenção de ajudá-la a se transformar em uma escritora. Em troca, ele pede que ela lhe escreva para mantê-lo informado sobre seu progresso nos estudos. Outra exigência desse excêntrico benfeitor é que ela nunca soubesse quem ele era. Jerusha não tinha mais ninguém no mundo para quem escrever. E começam as cartas da garota solitária. Mas a vida de Judy na faculdade é um turbilhão de novos aprendizados, descobertas, amigos, festas e uma amizade crescente com o belo Jervis Pendleton. Com tantas coisas acontecendo em sua vida, Judy não deixa de escrever quase diariamente para aquele que ela apelidou de: Papai Pernilongo.
Quem foi Jean Webster?
Jean Webster nasceu como Alice Jane Chandler Webster, em 24 de julho de 1876, em Fredonia, Nova York. Formou-se, em 1894, na Escola Normal de Fredonia, onde se especializou em pintura em porcelana, e depois passou dois anos na Escola Lady Jane Gray, momento em que veio a adotar o nome de Jean, inspirada em uma colega de quarto com este nome, unindo-o ao seu sobrenome. Jean Webster entrou na universidade particular Vassar College, a primeira universidade feminina nos Estados Unidos, em 1897. Formou-se em Inglês e Economia, tendo feito curso de Reforma Penal, com grande interesse despertado pelas questões sociais da época, principalmente aquelas relacionadas à infância. Trabalhou em instituições para delinquentes juvenis, em comunidades pobres de Nova York e, ao longo de sua vida, visitou orfanatos, colaborando com eles, tendo sido membro da Associação Estadual de Ajuda Caritativa.
Na faculdade, Jean Webster fez amizade com a futura poetisa Adelaide Crapsey, com quem participou de muitas atividades extracurriculares, incluindo escrita, teatro e política, e passou um semestre na Europa, visitando a França, o Reino Unido e a Itália. Na verdade, ela pesquisou a pobreza na Itália para escrever uma tese de Economia e também escreveu um de seus primeiros contos naquele país: Villa Gianini, que veio a ser publicado na revista universitária de Vassar. Jean Webster formou-se em 1901 e voltou para Fredonia, dedicando-se a escrever e a viajar, visitando destinos tão distantes como Egito, Índia, Indonésia, China e Japão, na companhia de amigos.
Seu primeiro romance, publicado em 1903, recebeu o título Quando Patty foi para a faculdade. Nele, Jean Webster narra, de forma quase cômica, a vida de uma jovem estudante universitária na virada do século XX, Patty Wyatt. O livro foi recebido com boas críticas. A partir deste primeiro livro, publicou contos em Muito Barulho por Peter (1909) e outros romances, estes quase sempre relacionados às experiências que marcaram sua vida. Por exemplo, inspirou-se numa viagem para a Itália com sua mãe e escreveu A Princesa do Trigo, uma expansão do Villa Gianini, escrito anteriormente em seus dias de universidade, e onde a pobreza italiana foi destacada. Lutava com paixão contra as injustiças sociais. Em 1907, publicou Jerry Junior, obra na qual procurava explorar as diferenças entre homens e mulheres. Em 1908, publico O mistério das quatro piscinas, onde denunciava os tiranos que continuavam a manter escravos nas plantações, após a Guerra Civil.
É importante destacar que, no início de sua carreira, Jean Webster nunca mencionou ser parente do famoso autor americano Mark Twain[1]. Quando se tornou público que era filha da sobrinha do escritor, não fez qualquer declaração sobre o trágico fim de seu pai (ligado a Mark Twain) e, na festa de aniversário de 70 anos de Mark Twain, em 1905, pôde ser vista em uma das mesas como convidada. Sobre sua família de origem, Jean Webster era filha de Annie Moffet e Charles Webster e, sem dúvida, deve à sua família seu impulso reformista e amor pelas cartas. Seu pai, Charles, era um engenheiro civil, cujo destino mudou quando se ligou a Mark Twain. Juntos, criaram, em 1884, a editora na qual os grandes sucessos e também os fracassos de Mark Twain foram publicados. No início de 1888, o pai de Jean Webster começou a apresentar problemas de saúde; então, segundo se conta, Mark Twain o teria feito deixar a empresa e, quando Charles se recuperou, não o deixou voltar por motivos de eficiência. O editor acabou morrendo em casa, em 1891, de complicações de uma peritonite, embora existam fontes que afirmem que ele pode ter se suicidado com uma overdose de drogas. Viúva, Annie e seus filhos foram morar com sua mãe, Pamela Clemens, e sua avó, Jane Lampton Clemens, fortes defensoras da igualdade racial e do sufrágio feminino, que tiveram grande influência na vida da jovem Jean Webster. Ela, portanto, não queria depender de Mark Twain para seguir como escritora.
Em 1912, veio seu grande sucesso Papai Pernilongo, que a Pedrazul lançou como Sempre Sua, Judy, um romance no qual a autora relembra anedotas da universidade e de sua própria vida, através da personagem carismática Jerusha “Judy” Abbott. O romance, com um estilo epistolar que deslumbrou o público, tornou-se um fenômeno. Em 1913, foi adaptado para o teatro, chegando a ser encenado na Broadway, e logo foram vendidas bonecas da protagonista, que serviram para arrecadar dinheiro e promover, assim, a adoção de órfãos.
Papai Pernilongo – Sempre Sua, Judy – teve uma sequência – Querido Inimigo –, que se tornou um best-seller também em pouco tempo. Nele, as cartas são escritas para Judy por uma de suas melhores amigas, Sallie McBride, quando esta se torna superintendente do orfanato em que Judy cresceu. Mantendo seu senso de humor, o livro novamente aponta as deficiências de alguns orfanatos e coloca em prática muito do conhecimento humanístico adquirido por Jean em suas visitas frequentes à Pleasantville Cottage School e outros centros.
Sobre sua vida privada, Jean Webster, em seus anos de sucesso, foi marcada pela morte da amiga Adelaide Crapsey, vítima de tuberculose. Jean também teve um relacionamento secreto com o irmão de um amigo, Glenn Ford McKinney, advogado casado com uma mulher maníaco-depressiva de quem ele não pôde se divorciar até 1915, embora já estivessem separados desde 1909. Glenn tinha um filho que apresentava sinais de instabilidade mental e, para evitar o estresse, ia muitas vezes caçar ou viajar, embora sua principal forma de acalmar os nervos fosse através do álcool. Uma vez divorciado, Glenn Ford se casou imediatamente com Jean Webster. Na lua de mel, perto de Québec, o casal foi visitado pelo presidente dos Estados Unidos Theodore Roosevelt, que era um admirador da escritora.
Jean Webster engravidou aos 39 anos, fato que, somado a alguns antecedentes familiares, levou a uma gravidez de risco. Em fevereiro de 1916, ela estava bem o suficiente para retomar suas visitas sociais e discussões, e começou um novo livro ambientado no Sri Lanka. Mas, em 11 de junho, logo após dar à luz sua primeira e única filha, chamada Jean, em sua homenagem, a autora morreu de sepse puerperal, infecção comum na época.
Jean Webster sempre esteve envolvida em movimentos de reforma social e era membro da State Charities Aid Association, que incluía visitas a orfanatos, arrecadação de fundos e promoção de adoções. Também apoiou o sufrágio feminino e o ensino superior para mulheres e participou de marchas em apoio ao voto feminino, permanecendo ativamente envolvida com a Vassar, universidade para a qual doou seu trabalho como uma contribuição para a Biblioteca de Coleções Especiais.
O ponto mais forte do trabalho de Jean Webster é a simplicidade de sua escrita. É facilmente compreensível, além de direta e comovente. Fazendo uso narrativo através de cartas, neste livro, sente-se que Jerusha está de alguma forma se dirigindo à leitora, escolhendo-a como sua amiga e também como sua confidente. Pode-se dizer que Webster sente uma conexão verdadeira com seus personagens e quer inspirar as meninas a se empenharem pela grandeza. E, por meio de seu ativismo, de seu feminismo, criou um legado duradouro no cânone literário.
“Não são os grandes prazeres que contam mais, mas tirar o máximo das pequenas coisas”, e “Não lamentar o passado para sempre, nem antecipar o futuro; mas obter o máximo que você puder neste exato instante” são frases de Jean Webster em Sempre Sua, Judy, que podem lembrar um pouco do estilo de Lucy Maud Montgomery, com a personagem Anne Shirley; e um pouco de Pollyanna e Pollyanna Moça, de Eleanor H. Porter.
Este livro teve várias adaptações para cinema e televisão. Como Papai Pernilongo, foi adaptado, em 1919, para o cinema mudo, e estrelado pela famosa atriz Mary Pickford. Em 1931, com o mesmo título, sob direção de Alfred Santell, foi estrelado por Janet Gaynor, outra famosa atriz de Hollywood. Como Curly Top (no Brasil, A Pequena Órfã), foi adaptado, em 1935, com Shirley Temple. Novamente, como Papai Pernilongo, em 1955, foi dirigido por Jean Negulesco, roteiro adaptado de Henry e Phoebe Ephron, estrelado por Fred Astaire e Leslie Caron, num musical que marcou época. Houve duas adaptações no Japão, uma em 1979 e outra em 1990.
No teatro, foram encenadas várias adaptações, em 1914, como Papai Pernilongo, estrelado por Ruth Chatterton e Charles Waldron. Em 1952, com o título Com amor, Judy, estrelando Jean Carson e Bill O’Connor. Novamente, como Papai Pernilongo, em 2008, e numa longa temporada de 2010 a 2015.
Não seria surpresa acrescentar que, a qualquer momento, Papai Pernilongo, este clássico de sucesso, possa igualmente vir a ser transformado em uma série de TV.
Por que mudamos o título, uma liberdade dada aos editores? Sempre Sua, Judy – forma como Judy muitas vezes se despede em suas cartas –, traz mais, talvez, o apelo que gostaríamos que o livro tivesse em 2021.
QUERIDO INIMIGO
A sequência de Sempre sua, Judy concentra-se na socialite Sallie McBride, que relutantemente concorda em se tornar diretora do orfanato que Judy – personagem principal do livro anterior –, morou até seus 18 anos. Os benfeitores do orfanato, seus amigos Judy e Jervis Pendleton, insistem que ela é a pessoa certa para instituir as reformas radicais de que a instituição precisa. A exuberante Sallie logo começa a fazer mudanças no orfanato, enchendo a vida das crianças de esperança e amor, enquanto se envolve em conflitos com o novo médico escocês, seu Querido Inimigo.
Sallie McBride está acostumada com as riquezas e a opulência da alta sociedade. Sua vida sofre uma grande reviravolta quando ela recebe um convite inesperado para ser a diretora de um orfanato rural. Na companhia de um jovem médico ríspido, uma equipe cheia de vícios, e mais de uma centena de crianças, ela sofre com o peso das responsabilidades. Será que ela conseguirá suportar as alfinetadas de seu Querido Inimigo e se comprometer com esse trabalho? Acompanhe os desafios e as calamidades enfrentadas por Sallie neste romance que é a continuação da doce história em que sua amiga Jerusha Abbott, a Judy, era a protagonista. Este livro foi fonte de inspiração para a série britânica Querido Inimigo, de 1981.
Querido Inimigo foi um brinde da caixa País de Gales do nosso clube de leitores (www.clubedeleitorespedrazul.com.br). Se você ainda não leu Sempre sua, Judy, sugerimos, para melhor entendimento deste livro, que o leia antes, embora a história deste fabuloso romance vá diverti-lo de qualquer jeito!
Querido Inimigo foi publicado pela primeira vez em 1915 e se manteve entre os dez mais vendidos nos Estados Unidos até 2016. A história é apresentada em uma série de cartas escritas por Sallie McBride, colega de classe e melhor amiga de Judy Abbott em Sempre sua, Judy. Entre os destinatários das cartas estão Judy; Jervis Pendleton, marido de Judy e presidente do orfanato onde Sallie está como diretora até que um novo superintendente possa ser instalado; Gordon Hallock, um congressista rico; e o médico do orfanato, o amargurado escocês Robin “Sandy” MacRae, a quem Sallie endereça suas cartas, chamando-o de Querido inimigo.
Em Sempre sua, Judy, Jean Webster traçou o crescimento de Judy Abbott desde que era uma garota até sua vida adulta; em Querido Inimigo, ela mostra como Sallie McBride passará de uma socialite frívola a uma mulher madura e uma executiva capaz. A narrativa também segue o desenvolvimento dos relacionamentos de Sallie com Gordon Hallock, um político rico, e o Dr. Robin MacRae, o médico do orfanato. Ambos os relacionamentos são afetados pela relutância inicial de Sallie em se comprometer com seu trabalho e por sua compreensão gradual de como esse compromisso a torna feliz e como ela se sentiria incompleta sem ele. As calamidades e triunfos diários de uma diretora de um orfanato são espirituosamente descritas.
Infelizmente, Webster morreu de febre do parto em 1916, apenas um ano após o sucesso de Querido Inimigo.
O livro mantém a estrutura epistolar, como foi usado no primeiro livro da série, e as escolhas de Sallie sobre o que contar a cada um de seus correspondentes revela seu relacionamento com cada um deles.
Como o leitor notará, serão – cartas para lá e cartas para cá –, mas já existia o telefone. Portanto, embora a autora não especifique, concluímos que o livro se passa – (notamos isso por uma citação da autora sobre uma visita ao edifício Singer Tower, em Nova York, concluído em 1908) – no início do século XX. Mas por que escrever cartas se já havia o telefone? Atualmente é muito barato telefonar, mas naquela época, quando o telefone foi inventado, era caríssimo fazer uma ligação, ainda mais se ela fosse de um Estado para outro. De um país para o outro era um Deus nos acuda! Desde 1876 – ano que o professor escocês Alexander Graham Bell inventou o primeiro aparelho telefônico[2]–, já se conseguia falar com uma pessoa à distância, mas de modo muito rudimentar, bem básico, à bateria, e, ou a pessoa ouvia ou a pessoa falava, não era possível fazer os dois ao mesmo tempo. Se o assunto fosse extenso, era muito mais fácil mandar uma carta. Em 1904, o telefone melhorou um pouco: ganhou aquele formato de um “castiçal” e funcionava através da utilização de uma manivela que, ao ser girada, enviava o sinal para uma telefonista, que completava a ligação. Entretanto, era caro fazer uma ligação e ainda havia muitos chiados. Se o assunto fosse confidencial, era melhor desistir… a telefonista, se quisesse, ouviria tudo. Portanto, a carta ainda era a melhor escolha. Por que estou falando sobre telefone? Porque alguém vai se perguntar “por que tantas cartas se havia o telefone?” – eu mesma fiz essa pergunta e tive que parar a leitura e fazer essa pesquisa –. Está claro, então, o porquê das cartas?
[1] Samuel Langhorne Clemens (1835-1910), mais conhecido pelo pseudônimo Mark Twain, foi um escritor e humorista estadunidense. É mais conhecido pelos romances The Adventures of Tom Sawyer e Adventures of Huckleberry Finn, este último frequentemente chamado de “O Maior Romance Americano”. (N.E.)
[2] O escocês era considerado o inventor do telefone até uma reviravolta em 2002, quando se reconheceu oficialmente o italiano Antonio Meucci como o verdadeiro pai da ferramenta. (N.E.)