O “elo perdido” entre Emma de Austen e Dorothea Brooke de George Eliot!
O romance que mostra a influência de Jane Austen e Eliot na carreira de Oliphant traz Lucilla Marjoribanks, uma jovem forte e decidida, que aos dezenove anos perde sua mãe e decide que pelos próximos dez anos se dedicará ao pai, sendo um consolo para ele. Semelhante à personagem de Emma de Austen, em certas partes a Dorothea, de Middlemarch, essa jovem decidida será o arreio da sociedade rural de Carlingford, envolvendo-se nas vidas das pessoas, formando casais e cuidando dos mais fracos, além de criar as “Noites de Quintas-feiras”, para ser “um conforto para o querido papai”. Mas em meio a tantos afazeres, muitas ingratidões, pretendentes dispensados, dez anos se passaram, e Lucilla ainda continua solteira, mas agora tudo mudou. O que será de Lucilla?
Mais sobre o sexto livro da série As Crônicas de Carlingford
O doutor Marjoribanks, pai de Lucilla, é o respeitado e rico médico de Carlingford, um pouco seco, na verdade, mas sua mesa está sempre cercada de convidados para seus famosos jantares. Sentar-se à mesa do doutor é uma honra, e a aristocracia está sempre presente, entre eles Mr. Cavendish, um dos Cavendishes, uma pessoa de grande consideração em Grange Lane. E assim a vida continua, até Lucilla voltar para casa com o propósito obediente de ser “um conforto para o querido papai”. Mas nem tudo é o que parece neste divertido romance que traz o cotidiano de uma cidadezinha interiorana. Um novo arquidiácono chega à cidade, levantando graves suspeitas de certo aristocrata, um caso envolvendo certa viúva e uma herança, jogando uma sombra sobre um pretendente de Lucilla. Ao implementar seus vários projetos (incluindo a apresentação de um candidato ao Parlamento), Lucilla fica de olho em um possível marido – alguém interessante, cuja posição lhe daria maior escopo para suas habilidades. Seria Mr. Cavendish? Mr. Ashburton? Ou seu primo Tom Marjoribanks? No final da história, ela terá reconhecido quem ou o que ela precisa para combinar ambição com afeto verdadeiro. O humor seco e irônico de Oliphant atinge novos patamares neste romance, que é muito engraçado.
AS CRÔNICAS DE CARLINGFORD
Senhorita Marjoribanks é o sexto livro das Crônicas de Carlingford, uma série espirituosa e popular, ambientada na encantadora cidade rural de Carlingford, possivelmente inspirada nas Crônicas de Barsetshire, de Anthony Trollope. No Brasil, além dos livros das Crônicas de Carlingford, há uma tradução de Hester, considerada a obra-prima de Oliphant.
Oliphant escreveu a primeira história das Crônicas de Carlingford em um momento triste de sua vida, recém-chegada de Roma, com seus três filhos pequenos, onde seu marido havia morrido de tuberculose. Aflita e esgotada, ela sentiu que havia perdido seu dom para escrever, especialmente depois que seus editores, os Blackwoods, os mesmos de George Eliot, haviam rejeitado seus últimos trabalhos. Nessa mesma noite, porém, escreveu O Executor e, como ela relatou em sua autobiografia: “A história fez bastante sucesso e minha fortuna, comparativamente falando, foi feita”. O Executor, uma ficção curta de 1861, é a primeira das sete obras ambientadas na cidade de Carlingford e cada uma delas pode ser lida de forma independente. As demais obras que fazem parte das Crônicas de Carlingford são: O Reitor, também ficção curta, de 1861; A Família do Médico, um romance médio, também de 1861; A Capela de Salem, um romance maior, de 1862; O Vigário Perpétuo, também um romance maior, de 1863; Senhorita Marjoribanks, o romance que tem em mãos, de 1865; e Phoebe, Junior, a última Crônica de Carlingford, também um romance com um bom número de páginas, lançado em 1876.
A história de O Executor traz certo John Brown, que havia sido o advogado de Mrs. Thompson, embora não tivesse sido contratado para escrever o seu testamento. Após a morte de Mrs. Thompson, seu testamento deixara sua propriedade para uma filha distante, desconhecida em Carlingford. Para espanto de todos, se a filha não fosse encontrada em três anos, a propriedade seria deixada para John Brown. Os parentes mais próximos de Mrs. Thompson em Carlingford – a família Christian, que era muito pobre – não foram mencionados no documento. Esta história retrata o impacto do testamento de uma pessoa na vida de várias outras, incluindo John Brown, Mr. e Mrs. Christian, Bessie Christian e seu pretendente inconfesso, o Dr. Rider. E John Brown faz algo que surpreende até a si mesmo.
O Reitor traz a história de Mr. Proctor, de 50 anos, que teve uma vida muito satisfatória como membro do All Souls College, em Oxford. Com novos planos, aventura-se como reitor da igreja paroquial em Carlingford. Em vez de se adaptar gradualmente ao novo ambiente, Mr. Proctor fica cada vez mais desconfortável em seu papel de clérigo paroquial. Sua presença no leito de morte de um paroquiano o levará a uma crise. Esta história também apresenta alguns membros da sociedade de Carlingford que virão em futuros trabalhos da série: Lucy Wodehouse, de 20 anos; sua irmã de meia-idade, Mary; seu pai, o diretor da igreja; e Frank (Cecil) Wentworth, o Vigário Perpétuo de St. Roque, que ainda não percebeu que está apaixonado por Lucy.
O romance A Família do Médico traz o Dr. Edward Rider, o novo médico em Carlingford, morando em um bairro pouco atraente, ainda em construção. Ele está infeliz e envergonhado de si mesmo, tendo decepcionado a garota com quem queria se casar por razões “práticas”. E nos últimos cinco meses o irmão alcoólatra do Dr. Rider, Fred, tem sido um hóspede desagradável e indesejado, poluindo sua casa com o cheiro de fumaça e de conhaque. Justamente quando as coisas não poderiam piorar, há uma complicação assombrosa, ligada ao irmão; mas esse evento leva o médico a conhecer Nettie, uma pequena e delicada autocrata com olhos lindos, que assume o comando da maneira mais maravilhosa. Nettie tem pesadas responsabilidades e está determinada a não se apaixonar. Será que eles vão se apaixonar mesmo assim? Dr. Rider cometerá o mesmo erro uma segunda vez? O irmão do Dr. Rider provavelmente foi inspirado no irmão de Margaret Oliphant, Willie, que era alcoólatra.
O romance A Capela de Salem traz o jovem Arthur Vincent, um ministro contraditório, começando seu ministério na Capela de Salem em Carlingford. Ele é intelectual e idealista, nada preparado para uma congregação de classe média, cujo nível social é aquele de lojistas e comerciantes. Ele começa razoavelmente bem, mas sai dos trilhos quando se apaixona pela bela lady Western e se envolve nos assuntos de uma misteriosa e pobre dama. Uma crise envolvendo um sequestro e o desaparecimento de sua irmã o levará ao limite. Margaret Oliphant escreveu em sua autobiografia: “… eu não sabia nada sobre capelas, mas peguei o sentimento e alguns detalhes de nossa velha igreja em Liverpool, que era a Free Church of Scotland, e onde havia alguns merceeiros e outras pessoas tão boas, cujas maneiras com o ministro eram maravilhosas de se ver”.[1] Os eventos dramáticos neste romance são reflexos do chamado “Romance de Sensação”, popularizado por Wilkie Collins, Mary Elizabeth Braddon, Mrs. Henry Wood e outros.
O quinto romance é O Vigário Perpétuo, que traz Frank Wentworth, o popular vigário da bela igreja de St. Roque em Carlingford. O cargo é mal pago e não tem distrito anexado, embora ele tenha assumido extraoficialmente o distrito pobre de Wharfside e esteja orgulhoso do “grande trabalho” em andamento lá. Ele ainda não declarou seu amor por Lucy Wodehouse, que trabalha ao lado dele. Em seguida, vários eventos acabam com sua calma: a chegada de um novo reitor, determinado a encerrar o trabalho de Frank em Wharfside; a chegada das três tias de Frank; rumores de um estranho homem maltrapilho de alguma forma ligado a Frank; e rumores ainda piores do suposto relacionamento de Frank com a filha adotiva de um lojista. Este romance espirituoso e divertido continua sendo um dos mais populares de Oliphant.
Senhorita Marjoribanks, portanto, é o sexto romance, e traz a personagem homônima à obra, uma moça líder, forte e muito parecida com Emma, de Jane Austen. Aqui podemos ter certeza da influência de Austen na carreira de Oliphant. Após a morte de sua mãe, o propósito obediente de Lucilla Marjoribanks é ser “um conforto para o querido papai”. Mas nem tudo é o que parece neste divertido romance em que uma jovem brilhante e animada de 19 anos está determinada a criar uma vida interessante para si mesma, apesar da estreiteza das expectativas vitorianas para as mulheres. Como pensava o pai médico: “se ela fosse um homem, poderia ter se juntado a ele na prática médica ou ter ido para o Parlamento”. Mas Lucilla nasceu no “sexo frágil”, embora de frágil ela não tenha absolutamente nada. Lucilla está determinada a encontrar saídas para sua ambição e criatividade e decide começar rejuvenescendo a sociedade local. Ao implementar seus vários projetos (incluindo a apresentação de um candidato ao Parlamento), ela fica de olho em um possível marido – alguém interessante, cuja posição lhe daria maior escopo para suas habilidades. No final da história, ela terá reconhecido quem ou o que ela precisa para combinar ambição com afeição genuína. O humor seco e irônico de Margaret Oliphant atinge novos patamares neste romance, que é muito engraçado. Embora alguns leitores achem Lucilla muito fria, a maioria se torna cada vez mais afeiçoada a ela à medida que a história avança – assim como a própria Oliphant. Lucilla Marjoribanks, cujo nome deve ser pronunciado como “Marchbanks”, (haverá uma explicação no final do romance), é uma amostra de uma heroína forte, com todos os ingredientes de uma mulher arrojada.
Por último,Phoebe, Junior, a última Crônica de Carlingford, é também um romance significativo. A trama envolve o pai de Phoebe Beecham, o ministro dissidente de uma grande e rica capela de Londres. Sua mãe, nascida Phoebe Tozer de Carlingford, foi uma personagem de A Capela de Salem. Phoebe “Junior” é bem-educada e foi criada para ter as maneiras de uma dama. Quando faz uma longa visita a seus avós lojistas em Carlingford, também personagens de A Capela de Salem, ela espera se ajustar à sua posição inferior na vida. No entanto, Phoebe encontra um círculo social que combina a nobreza anglicana: Ursula May e seu irmão reverendo Reginald May, cujo pai é o Vigário Perpétuo de São Roque, o filho do milionário Clarence Copperhead e o ministro não-conformista Horace Northcote. Esses cinco jovens adultos têm problemas para lidar e ficam felizes ao se unirem. Dois dos jovens estão apaixonados por Phoebe, que reflete se o casamento deve ser definido pelo amor ou por um ambiente que proporcione pleno alcance para suas habilidades. Enquanto isso, o egoísta Mr. May, o vigário perpétuo, está pedindo dinheiro emprestado por meio de uma série de notas promissórias e está tentado a se salvar cometendo falsificação. Os muitos personagens e linhas da história são todos interessantes e impulsionam a trama a uma conclusão dramática.
Quem foi Margaret Oliphant?
Em síntese, podemos afirmar que foi uma prolixa autora vitoriana esquecida, que escreveu para sustentar a si, seus filhos, sobrinhos e irmãos, portanto, com tantas bocas para alimentar tinha que, de fato, escrever muito, mas isso não exclui seu talento como autora. Muitos autores antes, durante e depois escreviam para se sustentar, Trollope, por exemplo, mas não foram esquecidos como ocorreu com Oliphant. Podemos afirmar ainda que ela foi influenciada por Jane Austen e o livro que o leitor tem em mãos é uma prova disso.
Margaret Oliphant (1828-1897) era escocesa, gostava de escrever romances históricos, realismo doméstico e contos de horror. Ela começou a escrever aos 16 anos e produziu cerca de 300 artigos, 55 contos, mais de 90 romances e 25 trabalhos de não-ficção. Nasceu em Wallyford, perto de Edimburgo, como filha do clérigo local, Francis W. Wilson (1788 – 1858), motivo pelo qual trouxe tanto do tema para suas obras. Passou a infância em Glasgow e Liverpool e tinha verdadeiro orgulho de ser escocesa. Sua mãe fazia questão de que sua filha soubesse ler e fosse versada em literatura, o que a fez receber mais instrução do que as mulheres normalmente recebiam na época. Em 1852, casou-se com seu primo, o artista Frank Wilson Oliphant, dois temas que ela trouxe para Senhorita Marjoribanks, e o casal se estabeleceu em Camden. Frank trabalhava principalmente com vitrais, em especial para igrejas e residências. O casal teve seis filhos, mas três morreram ainda na infância. Devido à doença de Frank, a família se mudou para a Itália em busca de ares mais quentes e frescos, mas ele morreu em Roma apenas sete anos depois do casamento. Margaret acabou sozinha, com três crianças pequenas em casa e muitas dívidas. Também foi a responsável por cuidar de Willie, seu irmão alcoólatra e seus três sobrinhos, filhos de seu outro irmão, Frank, que também acabou falindo e recebeu abrigo na casa da irmã. Pouco depois da morte do marido, a única menina entre os filhos de Margaret também morreu e foi sepultada ao lado do pai, em Roma.
No século XIX existiam poucos empregos e carreiras disponíveis para mulheres. Assim, a escrita acabou sendo uma saída elegante, em que ela podia trabalhar de casa e assim cuidar dos filhos. Foi uma escritora extremamente prolífica, como já falamos, já que dependia dessa renda para sustentar a família; produziu dezenas de trabalhos, sendo que uma produção tão grande poderia pecar na qualidade em alguns momentos. Ainda assim, foi uma das mais importantes escritoras da Era Vitoriana.
A negligência com a autora começou ainda no século XIX. E isso é estranho, porque ela era bastante popular em sua época. “Na maior parte da década de 1860”, escreveu o crítico John Pemble, “Margaret Oliphant vendeu mais do que Trollope, mas também Dickens e Thackeray”.
Senhorita Marjoribanks “é certamente o exemplo mais interessante e divertido de uma mulher escrevendo sobre homens no século XIX”. É uma mistura de Emma, de Austen, com Cranford e Esposas e Filhas, os dois últimos de Elizabeth Gaskell.
[1] Autobiografia e Cartas, 1899, página 84. (N.T.)