O Arqueiro, ou o Anão Verde, um pequeno romance da juvenília de Charlotte Brontë, é espirituoso e cativante, mas já exibe a inteligência precoce, a imaginação viva e o talento para contar histórias que ela trouxe à perfeição em sua ficção posterior, com O Professor, Jane Eyre, Shirley e Villette.
Lady Emily Charlesworth está apaixonada por Leslie, um artista esforçado. O coronel Percy, um aristocrata feroz e arrogante, fará de tudo para atrapalhar este romance e roubar a noiva para si. Enquanto a guerra irrompe entre Verdópolis – um estado político imaginado por Charlotte – e o Senegal, os cavalheiros terão que lutar pelo coração de lady Emily. Com sua exótica mistura de intriga política, subterfúgio amoroso e cenário gótico, O Arqueiro revela a natureza dinâmica e experimental do que se tornaria a maturidade da escrita de Charlote Brontë.
UMA GEOGRAFIA INVENTADA
Cansado de relações interesseiras, o conde do Clã Albyn, St Clair, disfarça-se de Leslie, um simples aprendiz de pintor. Ele queria saber que moça o amaria por ele mesmo e não por seu dinheiro e seu título. No estúdio do famoso pintor Frederick De Lisle, ele conhece lady Emily Charlesworth, apaixona-se por ela e é correspondido. Mas assim que ele se ausenta de Verdópolis, surgem boatos sobre a bela lady Emily e o coronel Percy estarem noivos. Decidido a descobrir a verdade, ele se disfarça novamente, dessa vez de arqueiro nos jogos olímpicos de Verdópolis.
SOBRE A AUTORA
Charlotte Brontë foi escritora e poetisa. É a mais velha das três irmãs que chegaram à idade adulta e cujos romances são dos mais conhecidos da literatura inglesa. Nasceu em Thornton, oeste de Bradford, West Yorkshire, Reino Unido, no dia 21 de abril de 1816 e faleceu em 31 de março de 1855. O fato que norteou a carreira adulta da autora foi que, em 1842, ela e Emily, sua irmã, viajaram para Bruxelas para estudar e trabalhar em um internato dirigido por Constantin Heger e por sua esposa, Claire Zoé Parent Heger, ocasião em que Charlotte se apaixonou por Constantin. Regressou a Haworth em janeiro de 1844 e usou sua experiência no internato para escrever O Professor e Villette. Em junho de 1854 Charlotte casou-se com Arthur Bell Nicholls, o coadjutor do pai, e morreu um ano depois.
Segundo a biografia A Vida de Charlotte Brontë, escrita por Elizabeth Gaskell, baseada numa infinidade de cartas da autora, depoimentos do pai e do marido, de amigos, esta novela foi concluída em 2 de setembro de 1833, quando ela era uma mocinha ainda com espinhas no rosto (suposição) e usava o pseudônimo de Lord Charles Albert Florian Wellesley. Segundo Gaskell, Charlotte escreveu sob dois pseudônimos masculinos, inicialmente como Lord Charles Albert Florian Wellesley e, mais tarde, como Currer Bell.
The Green Dwarf – a quem usando os atributos de editor a Pedrazul deu o título de O Arqueiro, pois a citação do “anão verde” somente aparece no fim da trama, e muito en passant, ao passo que o arqueiro é parte de toda a trama, sendo o codinome do personagem principal – faz parte da saga Glass Town dos irmãos Brontë. Esta novela foi escrita poucos meses antes da criação do Reino de Angria, que teve início em 1834, e tornar-se-ia então o cenário principal para o resto das criações da juvenília de Charlotte Brontë. Glass Town, ou Verdopolis, como é conhecida neste pequeno romance, é um cenário compartilhado com seu irmão, Branwell Brontë. The Green Dwarf marca uma mudança entre os primeiros contos de Glass Town e suas histórias mais maduras da Angria, e demonstra, fortemente, que a realização literária deve tanto à experiência quanto à habilidade.
VERDOPOLIS
Nessa novela, Charlotte nos leva à exótica cidade colonial de Verdopolis, na África. É notório que a mocinha de 17 anos não conhecia o continente africano. Tirando a licença poética, que dá ao autor a liberdade para se expressar criativamente, sem obediência rígida a um cânone, percebemos a imaturidade dela ao se referir a África e ao povo que lá habitava, muitas vezes até preconceituosamente. Logo no início, percebemos que a novela é enquadrada como um conto dentro de outro conto. O convalescente Lorde Charles, aparentemente uma figura literária renomada, pede a seu venerável amigo Bud para lhe contar uma história – que acaba por ser a história deste livro. Perto do início e do fim, há referências a certo “Capitão Tree”, que aparentemente figuraria em outras composições dos irmãos.
Embora o leitor possa sentir falta de conhecimento de mundo, ambientação social e cultural, devido à idade da escritora, como eu disse, é notoriamente trazido seu amor pelo Duque de Wellington. O duque a quem ela se refere no livro é o primeiro detentor do título, Arthur Wellesley (1769-1852), o famoso general e estadista britânico, nascido na Irlanda, que, junto com o marechal prussiano Gebhard Leberecht von Blücher, Príncipe de Wahlstatt, liderou o combate que derrotou Napoleão Bonaparte na Batalha de Waterloo, ocorrida em 18 de junho de 1815, na Bélgica.
DUQUE DE WELLINGTON
O leitor poderá supor a tamanha admiração da jovem Charlotte pelo Duque de Wellington, quando no seu pseudônimo como autora, ela usa parte do nome do duque, “Wellesley”. Na biografia de Charlotte Brontë, Elizabeth Gaskell fala de uma relação de escritos de Charlotte, que foi entregue a ela, com a letra de Charlotte: “O catálogo de meus livros, com a data de quando foram finalizados, até 3 de agosto de 1830… completando um total de vinte e dois volumes. C. BRONTË”. “Foi-me entregue um pacote curioso, contendo uma quantidade imensa de manuscritos em um espaço incrivelmente pequeno: contos, dramas, poemas, romances, escritos principalmente por Charlotte, em uma caligrafia praticamente impossível de ser decifrada sem a ajuda de uma lupa”, escreveu Gaskell, e ela relaciona as dezenas de criações de Charlotte. “Como cada volume possui entre 60 e 100 páginas, e o tamanho da página litografada é um tanto menor do que o comum, a quantidade do todo parece enorme, se mantivermos em mente que tudo isso foi escrito em um ano e meio. Não pela quantidade, mas pela qualidade, que me faz conferir verdadeiro mérito a uma garota entre os 13 e 14 anos”, disse Gaskell. Curiosamente, vários contos era em homenagem ao Duque de Wellington: O estranho Incidente na Vida do Duque de Wellington, finalizado dia 2 de dezembro de 1829; A Aventura do Duque de Wellington na Caverna; O Duque de Wellington e a Visita dos Pequenos Rei e Rainha aos Cavalos da Guarda, finalizado dia 8 de maio de 1830; Descrição do Palácio do Duque de Wellington nas Agradáveis Margens de Lusiva; este artigo é um pequeno conto em prosa ou um incidente”, escreveu a própria Charlotte. Segundo Gaskell, “evidentemente, a política era o maior interesse deles (os irmãos), e o Duque de Wellington era seu semideus. Tudo que era relacionado a ele pertencia a uma época heroica”.
ELIZABETH GASKELL
Segundo Gaskell, os mundos colaborativos dela e de seus irmãos escritores de Glass Town e de Angria eram reinos complexos, fantásticos e mágicos, mergulhados em violência, política, luxúria e traição. Em cartas particulares, Charlotte chamou o seu “mundo” de uma fuga particular onde podia expressar seus desejos e múltiplas identidades. Escritos em dezenas de livros em miniatura, esses manuscritos com títulos curiosos e secretos não são apenas um exemplo surpreendente de seus talentos, mas possuem conteúdo extraordinário e sem censura. Patrick Brontë, seu pai, tinha pouca visão e não conseguia lê-los, então Charlotte podia escrever com confiança de que jamais seria censurada. Ao longo de dez anos, ela criou personagens e eventos que se tornaram inextricavelmente ligados à sua própria individualidade, alguns dos quais conhecemos e amamos em seus trabalhos posteriores.
The Green Dwarf, embora seja considerado uma novela da juventude de Charlotte, não é uma história simples. Ele foi escrito logo após a estada de Charlotte na escola Roe Head, quando, mais uma vez, ela conseguiu encontrar um tempo longe de seus estudos e deveres para se dedicar à escrita. A história parece uma tentativa de Charlotte no estilo gótico, no entanto, ela também flerta com os contos de fadas, e seu humor não pode ser negado.
Como mencionamos, a história se passa na fictícia Verdopolis e começa com seu pseudônimo, Lord Charles Wellesley, que informa ao leitor sobre sua doença recente, o que resultou em falta de atividade literária de sua parte. No conto anterior de Charlotte, O Enjeitado, o rival literário de Charles, o Capitão Tree, o rotula como “um pequeno réptil” e lamenta “aquelas falsidades vis e repugnantes, aquelas insinuações malignas e nojentas” que Charles tem espalhado em obras como Algo Sobre Arthur[1] (1833). The Green Dwarf pode muito bem ser considerado uma retaliação da parte de Charles (Charlotte Brontë) após as declarações do Capitão Tree (seu irmão) em O Enjeitado. No entanto, este não é um personagem principal da história. É apenas parte do dispositivo de enquadramento que configura a narrativa. Quando estava se recuperando de uma doença, Charles vai visitar seu amigo, o capitão John Bud, e implora que ele lhe conte uma história. Então, embora Charles seja o autor da história dentro de Glass Town, na verdade ela se originou com Bud.
A história de Bud se passa em junho de 1814, quase vinte anos antes de seu encontro com Charles, e começa no Gennii’s Inn, cuja localização está agora no meio da próspera metrópole de Charlotte, Verdopolis. Nessa época, o local era tranquilo e solitário e foi palco dos Jogos Olímpicos da África. Bud e seu amigo, o idoso John Gifford, encontram-se antes dos jogos e falam sobre o coronel Percy, que está tentando ganhar a mão da bela Lady Emily Charlesworth. É importante notar que Percy é o codinome do personagem de Charlotte e o pseudônimo favorito de Branwell: os dois irmãos compartilhavam personagens e cenários em sua juventude. Antes do início dos jogos, entretanto, um francês aparece contando uma história sobre o imperador Napoleão.
Este é um estranho sonho, um encontro sobrenatural em que Napoleão se depara com uma figura fantasmagórica que o desperta e, de alguma forma, o leva de sua cama para a sala de estar privada de sua esposa, que está entretendo convidados em uma festa. Napoleão então tem um ataque e a narrativa dentro da história termina com o imperador ouvindo o conto e prendendo o francês contador de histórias. Nesse trecho, notamos a antipatia de Charlotte por Napoleão e, mais uma vez, a prova de que ela lia os jornais da época que chegavam para Patrick Brontë. Napoleão voltará em mais composições dela, uma em francês, quando ela estava em Bruxelas, no pensionato Heger.
É claro que as histórias de Branwell tinham mais política, guerra e derramamento de sangue, mas Charlotte provou que podia se igualar a ele nesta novela, embora romantize essas cenas e as deixe menos agressivas. Mas na passagem em que detalha a vitória sangrenta obtida por Wellington e suas tropas sobre as forças Ashantee, ela prova que era tão adepta de cenas de derramamento de sangue, guerra e política quanto Branwell. Talvez houvesse uma competição entre os irmãos. Seu relacionamento antagônico demonstra a complexidade da juventude de Charlotte e sua mente.
A personagem chamada Bertha é provavelmente o aspecto mais curioso desta novela. Embora Bertha seja muito diferente da personagem de mesmo nome em Jane Eyre (1847), é fascinante notar que ambas estão de alguma forma envolvidas em sigilo e quartos trancados no sótão.
Finalizando, esta é uma novela fascinante e complexa para um uma jovenzinha. Além da influência de Walter Scott, mostra também influências góticas, talvez de Saint-Clair das Ilhas, deElizabeth Helme; Os Mistérios de Udolpho, de Ann Radcliffe e outros.
Mais e mais, Charlotte estava descobrindo que preferia fugir para seus mundos imaginados a permanecer na realidade, mas ela temia que estivesse ficando louca. No final de 1839, despediu-se de seu mundo de fantasia em um manuscrito chamado Adeus a Angria. Ela escreveu sobre a dor que sentiu ao se separar de seus “amigos” e se aventurar em terras desconhecidas: “Sinto quase como se estivesse no limiar de uma casa e me despedindo de seus habitantes”. Mas, embora a dor da perda, ela deixou Verdopolis e a África para trás e concentrou sua imaginação e sua capacidade em transmitir aquilo que ela sabia e suas vivências: as vidas muitas vezes difíceis, solitárias e isoladas de mulheres independentes e inteligentes do século XIX, mulheres como Jane Eyre, Shirley, Caroline Helstone, Lucy Snowe, Frances Henri, que faziam o que elas acreditavam ser certo às custas de sua própria felicidade. Podemos dizer que ela se voltou para o Realismo.
São obras de sua juvenília, além daquela relação de vinte e dois volumes citados pela própria Charlotte, escritos até 3 de agostode 1830 (vide biografia A Vida de Charlotte Brontë, Elizabeth Gaskell): O feitiço; O segredo; Lily Hart; O enjeitado; O Arqueiro (Anão Verde). Obras de sua vida adulta: Jane Eyre, publicado em 1847; Shirley, publicado em 1849; Villette, publicado em 1853 e O Professor, publicado postumamente em 1857. Ainda existem os Poemas de Currer, Ellis e Acton Bell, lançados em 1846.
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[1] Certamente Arthur Wellesley, o Duque de Wellington. (N.E.)