O romance foi bem-sucedido a ponto de ter agradado dois inimigos conhecidos: os romancistas Samuel Richardson, autor de Pamela, e Henry Fielding, autor de Tom Jones.
Este texto foi escrito pela querida Claire Scorzi
Arabella é um romance inglês publicado pela primeira vez em 1752. Sua autora, Charlotte Lennox, era amiga de Samuel Johnson, um dos intelectuais mais respeitados de sua época, e mesmo de épocas posteriores; o crítico Harold Bloom o aponta como um modelo.
O romance foi bem-sucedido a ponto de ter agradado dois inimigos conhecidos: os romancistas Samuel Richardson, autor de Pamela, e Henry Fielding, autor de Tom Jones. Fiquei imaginando como Arabella teria obtido essa façanha, e arrisco um palpite: a obra de Lennox é suficientemente engraçada – aliás, bastante engraçada – para satisfazer Fielding, e é, ao mesmo tempo, de um humor de bom gosto, ou seja, sem nada de obsceno, o que certamente agradou a Richardson. O que prova minha teoria de que é possível fazer humor, humor legítimo, sem apelos de gosto duvidoso.
ROMANCES FRANCESES
Arabella é uma jovem rica, bonita e culta, inclusive inteligente (Lennox não deixa de nos provar isso, estabelecendo outra regra de ouro para o leitor: não se deve confundir ingenuidade, inexperiência, com falta de inteligência), que só teria um defeitinho: criada lendo antigos romances franceses repletos de situações exageradas e estapafúrdias, ela passou a acreditar que tudo aquilo que seus queridos livros lhe contam é a verdade; absoluta verdade! E vive de acordo com isso.
As extravagâncias de Arabella por conta de suas crenças formam o teor humorístico do romance, e rimos muito. Este foi, com certeza, um dos romances que mais me fez dar gargalhadas; o objetivo satírico da autora é atingido, mas podemos, ao fim, ficar nos perguntando: Charlotte Lennox quis condenar a leitura de romances?
JANE AUSTEN
Parece-me que não; porém Charlotte Lennox não deixa seu objetivo tão claro quanto uma de suas leitoras, depois escritora famosa, deixaria: ao lermos A Abadia de Northanger (1798; publicado só em 1818), de Jane Austen, Austen deixa registrado, com todas as palavras, que não está condenando o fazer e o ler romances, e ainda diz (como narradora) que “os romancistas não devem desertar de sua própria causa”. Na obra de Austen, a leitura de romances góticos leva ao exagero de imaginação de sua heroína, Catherine. Mas é a reação excessiva que a autora está condenando, não a leitura em si.
DOM QUIXOTE
Falando em A Abadia de Northanger, é preciso dizer que Catherine será uma das heroínas a compor a linhagem de personagens que vem, desde Dom Quixote de La Mancha (1605-1615), de Cervantes, chegando a Arabella, de Charlotte Lennox, e chegando ainda, com vestígios da mesma imaginação romântica exacerbada, até Eustacia Vye, de O Retorno do Nativo (1878), de Thomas Hardy, alcançando o século XX, com o idealismo e patriotismo estrambótico de Policarpo Quaresma, o queridíssimo herói de Triste Fim de Policarpo Quaresma (1911) de Lima Barreto. Todos têm em comum uma excentricidade de convicções e crenças que determinam seu comportamento bizarro – e engraçado.
QUE O LEITOR JULGUE
A notar: as escritoras foram mais benevolentes com suas figuras excêntricas do que os escritores; é como se os autores homens acreditassem que o único destino possível para o estranho, o esquisito, para aquele que é incomum, fosse a morte ou a prisão. Já as autoras mulheres pareceriam, à primeira vista, acreditar que a “cura” da estranheza é possível, e, portanto, que o destino de suas heroínas pode ser feliz. Seria essa diferença fruto da inconformidade masculina, e do seu oposto, a tendência ao apaziguamento, à adaptação, comum à natureza feminina? Ou as mulheres, devido à sua própria experiência, tendem a ser esperançosas, visto que, através da história, apesar de tudo, muitas de nós sobrevivemos? Quem sabe?
Que o leitor ou leitora julgue.
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Uma resposta
Só de ler a resenha já me deu vontade de pegar o livro. Assim que conseguir um espacinho já coloco ele no alto da pilha!!