George Eliot por François D’Albert Durade
Para evitar os preconceitos da era vitoriana contra as escritoras, Mary Ann Evans (22 de novembro de 1819 a 22 de dezembro de 1880), autora de Middlemarch, Adam Bede, O moinho à beira do rio Floss e outros, começou a escrever sob o pseudônimo masculino de George Eliot, que se tornou um dos nomes mais reverenciados da história literária. Sua primeira grande chance veio aos 37 anos, em 1858, quando “The Sad Fortunes of the Rev. Amos Barton” (As tristes fortunas do reverendo Amos Barton) e Mr Gilfil’s Love Story (A história de amor do Sr. Gilfil) foram publicadas na Blackwood’s Magazine, então em forma de livro. Eliot garantiu que chegasse às mãos de todas as pessoas certas e, na primeira semana após a impressão, ela enviou cópias para algumas das pessoas mais influentes da época, incluindo Charles Dickens, autor de Nosso amigo em comum, A pequena Dorrit e muitos outros, Thackeray, autor de Feira das vaidades, Faraday, Ruskin, Tennyson e Carlyle. As novelas foram recebidas com aclamação esmagadora – todas as 1.500 cópias impressas esgotaram e os primeiros críticos elogiaram o escritor como “forte em seu conhecimento do coração humano”, o que gerou especulações sobre a identidade do autor. Rumores atribuíram o trabalho a Joseph Liggins, que tentou negar as acusações, em vão, e depois aceitou a celebridade atribuída a ele erroneamente.
A CARTA
Mas o testemunho mais vibrante do talento de Eliot veio numa carta de ninguém menos que o próprio Charles Dickens, que enviou ao editor de Eliot antes da identidade dela ser revelada. Embora tenha se dirigido ao autor como “Prezado Senhor”, Dickens – que Eliot conheceu em 1852 e achou “decepcionante [e sem] nenhuma benevolência no rosto – fez questão de afirmar sua intuição, que dizia que o escritor, apesar rumores populares, era uma mulher. A carta de Dickens consta em A vida de George Eliot, conforme relatada em suas cartas e diários – a biografia de 1884 editada por seu marido, John Walter Cross –. A carta, embora Eliot não tenha apreciado a pessoa do autor quando o conheceu (ela tinha certo temor dele) foi o ápice do elogio, escrito com partes iguais de admiração profissional, generosidade de espírito e a gentileza especial que Dickens reservava para seus parentes. Vale ressaltar que Eliot e Dickens depois se tornaram amigos e Mary Ann Evans lamentou profundamente a morte de Dickens, em 9 de junho de 1870, já que ele tinha almoçado com eles (o casal Lewes) pouco tempo antes do ocorrido.
A carta de Dickens para Eliot traduzida na íntegra
“Meu caro senhor,
Fui tão fortemente afetado pelos dois primeiros contos do livro que você teve a gentileza de me enviar através dos Srs. Blackwood [editor de Eliot], que espero que você me desculpe por escrever para expressar minha admiração por seu mérito extraordinário. A refinada verdade e delicadeza, tanto do humor quanto do páthos [qualidade no escrever, que estimula o sentimento de piedade ou a tristeza; poder de tocar o sentimento da melancolia ou o da ternura] dessas histórias, nunca vi igual; e elas me impressionaram de uma maneira que eu acharia muito difícil descrever para você, se tivesse a impertinência de tentar.
Ao dirigir estas poucas palavras de agradecimento ao criador da triste sorte do Sr. Amos Barton e da triste história de amor do Sr. Gilfil, não posso sugerir nenhuma melhoria; mas eu estaria fortemente disposto, se tivesse sido deixada à minha própria sorte, a dirigir-me à referida escritora como uma mulher. Tenho observado o que me parecem toques tão femininos, nessas ficções comoventes, que a segurança do nome do autor na página de rosto é insuficiente para me satisfazer, mesmo agora. Se não se originaram de nenhuma mulher, acredito que nenhum homem jamais teve a arte de se tornar, mentalmente, tão parecido com uma mulher, desde o início do mundo.
Você não vai supor que eu tenha qualquer desejo vulgar de desvendar seu segredo. Menciono o assunto como de grande interesse para mim – não por mera curiosidade. Se algum dia for de acordo com sua conveniência e inclinação, mostrar-me o rosto do homem ou da mulher que escreveu de maneira tão encantadora, será uma ocasião memorável para mim. Caso contrário, sempre manterei esse personagem impalpável com carinho e respeito, e me renderei a todas as declarações futuras da mesma fonte, com perfeita confiança em que elas me tornarão mais sábio e melhor.
Seu agradecido e fiel servo e admirador,
CHARLES DICKENS”.